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Olá, leitores “Got Sin?”! Cá estou mais uma vez, conforme prometido, trazendo para vocês uma série de conteúdos de moda sobre o Afro Fashion Day 2024. Para aqueles que ainda não me conhecem… sou Julia Nazaly, sua orgulhosa correspondente direta de Salvador, Bahia. Se você perdeu o primeiro conteúdo especial sobre o AFD deste ano e sua importância para o cenário da moda e para mim; vai lá rapidinho clicando aqui e volta pra gente continuar o nosso papo, ok?
Como eu estava dizendo, depois do evento (que ocorreu no último dia 01 de novembro), tive a oportunidade de conversar com alguns dos criadores que apresentaram seus trabalhos nessa edição e essa foi uma oportunidade maravilhosa de entender um pouco mais sobre seus processos criativos desse ano e também me inspirar com a trajetória de suas marcas e com suas próprias histórias de vida. Agora, com exclusividade, trago para vocês uma série de informações minuciosas sobre as referências e inspirações presentes nos looks dessa edição comemorativa de 10 anos de evento.
Hoje falarei mais sobre o primeiro bloco do desfile desse ano, que teve como tema a MÚSICA e que foi nomeado de “PERCUSSÃO ANCESTRAL”. O bloco foi inspirado nos ritos das religiões afro-brasileiras, um dos maiores símbolos de ancestralidade do povo preto, e que está altamente ligada à música através do toque de tambores e atabaques, instrumentos usados para evocar as divindades dessas religiões. Este bloco teve como cor predominante o branco, que também mantêm forte relação com a fé e a sabedoria ancestral. A ordem do meu conteúdo segue a mesma ordem da passarela. Espero que gostem e em breve trago para vocês o bloco 2. Até lá!
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Orí Lewa / Alex Milanny
Alex Milanny, responsável pela marca, já participa há 8 anos do AFD com sua outra marca (a Abanto, de moda casual masculina e agênero). Este ano, a sua marca de roupas e adereços afro religiosos “Orí Lewa” participou pela primeira vez já abrindo o desfile, o que foi muito impactante. Alex já produz roupas de Axé há 20 anos de forma paralela a outros projetos, mas apenas recentemente a Orí Lewa surge enquanto marca e com este nome; sendo a primeira marca de Axé a desfilar no AFD e cumprindo seu papel altamente representativo no Bloco Ancestral. Segundo a modelo Norilde (natural da Guiné-Bissau), em seu país, roupas como essas são normalmente usadas por mulheres de maior idade e sábias, e também noivas de algumas etnias. Para o criador, a roupa simbolizou também sua relação com a fé, já que o mesmo é iniciado de Oxalá, que tem na cor branca uma de suas maiores representações.
A roupa é toda feita em passamanaria, entremeio e cordão sarjado. Esses materiais foram costurados horizontalmente faixa por faixa formando “um único tecido” para depois ser realizado o corte e costura. Todo esse processo minucioso e longo de criação e produção é feito pelo próprio Alex, que me revelou que o projeto inicial era de que o look seria feito em barafunda, técnica feita à mão e símbolo de resistência (vale a pena pesquisar), mas que demanda muito mais tempo de produção, tornando a técnica inviável neste momento.
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Soudam / Ismael Soudam
Na minha percepção, os looks foram super modernos e essa foi a mesma sensação que tive ao observar a vitrine da loja física da marca pela primeira vez. Atual, moderna, com um quê até mesmo “futurista”, mas sem perder a raiz ancestral. Ismael Soudam está presente desde o primeiro ano do evento e é um criador que conseguiu fazer o que muitos criadores almejam: desenvolver a Identidade da Marca, o tal do DNA, de forma que a torne facilmente identificável, mas ainda assim sem cair em clichês. Ismael usa tecidos, cores, texturas e modelagens variadas em suas criações, mas que ainda assim carregam similaridade entre si, o que remete à marca.
A Soudam apresentou looks totalmente brancos desenvolvidos majoritariamente em algodão e linho, mas com comprimentos e texturas variadas que saíam da monotonia: comprimento tipo cropped com pantalona de cintura alta, sobretudo com bolsos tipo cargo, botões metálicos, e até mesmo lantejoulas (também presentes em muitas outras peças da marca) que revelam toda sua modernidade. Porém, o grande destaque visual foi para os detalhes de tecelagem de algodão rústico feitos à mão (que lembravam lã e outros materiais de origem animal usados por povos originários), que trouxeram a ancestralidade de uma forma diferenciada. Junto a isso, a produção usou acessórios com conchas e presas de animais elevando esse sentimento ancestral, mas de uma forma muito moderna (e até mesmo futurista) por tê-los utilizados em colares e uma jóia facial/headpiece, tendência presente em passarelas recentes.
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Incid / Cid Brito
Ao entrar na passarela, os looks automaticamente transmitiram muito frescor, tanto por terem sido desenvolvidos em materiais que comunicam essa sensação, quanto por comporem uma contraposição perfeita com os looks que entraram antes deles (os de Ismael Soudam que contavam com um sobretudo pesado e um bolero volumoso). Mesmo sendo compostos por um macacão masculino e uma calça com sobretudo no look feminino, essas peças foram confeccionadas em tecidos leves, fluidos e vazados, muitos com trama bordada. Além disso, o look feminino também conta com um cropped com decote em “V”, dando ainda mais liberdade à composição. Para Cid Brito, criador da marca, participante há 9 anos do AFD e também iniciado de Oxalá, a trama rendada é pensada diretamente nas roupas utilizadas pelas pessoas que freqüentam as religiões de matriz africana, lembrando os bordados do tipo Richelieu. Um ponto importante sobre a Incid é que a marca já existe há 25 anos, é referência em figurinos para artistas do cenário baiano e o nome do seu criador se fortaleceu tanto nesse período que agora se encontra em processo de transição para que o estilista passe a assinar todas as criações com o seu próprio nome.
O desejo de passar leveza e frescor foi o ponto de partida do desenvolvimento das peças já que o evento acontece no mês de novembro, que mesmo pertencente à estação da primavera, já tem a cara do verão. Além disso, a marca possui uma vertente bem comercial e pouco conceitual, daí os looks desenvolvidos se apresentam como uma opção ou ao menos inspiração para momentos como Réveillon, festas populares e Carnaval, que muito movimentam o turismo e a economia da cidade nesse período. O macacão e o sobretudo foram feitos com um tecido em trama bordada e a calça feminina com um tipo de tecido com transparência que mescla fibras naturais e sintéticas. Normalmente este tecido não é utilizado em vestuário e sim em decoração; porém, trabalhado de forma intuitiva e experimental, alcançou um resultado muito satisfatório transmitindo a leveza desejada.
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Ateliê Casalinda / Kivia Souza
Ao primeiro olhar no backstage, fiquei completamente encantada pela feminilidade e pelos detalhes das peças, em especial por ser o tipo de detalhe que você precisa estar perto da peça para admirar ainda mais. Jornalista por formação e atuação, Kivia Souza sempre sonhou, desde criança, em trabalhar com moda e começou produzindo acessórios, bolsas e outros artigos do gênero; passando a se desenvolver enquanto marca de vestuário um pouco mais adiante depois de ter a oportunidade de fazer um curso de modelagem do vestuário no Senai. Kivia participa do AFD desde a segunda edição e encontrou nesse espaço um “estimulador do seu próprio processo criativo”. Os anseios iniciais de Kivia para essa marca que estava surgindo eram completamente diferentes do que ela veio a se tornar, e o AFD acabou sendo um lugar em que ela foi desafiada e aos poucos encontrou o que sentia, no coração, que a marca deveria se tornar de fato; e acabou por formar a sua identidade: baiana, litorânea e muito inspirada por balneários e resorts. Além disso, Kivia não tem visão de “vender em larga escala”, mas de desenvolver coleções cápsulas exclusivas com roupas especiais para momentos especiais, independente de posição social. “Que seja aquela roupa especial para a menina preta que não tem acessos viver o seu momento especial”, reforça.
O primeiro vestido chamou o meu olhar de uma forma muito forte pela posição e riqueza de detalhes da flor no colo direito e pelo efeito bufante da manga que ainda contava com miçangas de madeira na extremidade, detalhe esse que representa máxima atenção da estilista já que mesmo que não estivesse ali, a peça já estaria incrível. Ele foi confeccionado em cassa bordada e entremeio de algodão (material esse advindo do Banco de Tecidos que visa dar um novo destino a sobras têxteis que seriam descartados por empresas maiores). A flor (inspirada em um lírio) foi desenvolvida a partir de um experimento num trabalhoso processo de engomar (técnica de raízes ancestrais que usa tapioca, maisena ou cola para dar firmeza ou moldar o tecido) usando uma bacia como molde para que as flores tivessem um formato mais orgânico e não plano. O esboço do vestido não contava com a flor, mas esse processo experimental gerou um resultado tão significativo que o item foi adicionado. O segundo modelo foi desenvolvido com 2 tipos de tecido (uma tela de algodão e outro normalmente destinado à decoração), mesclando estética rústica, transparência e movimento.
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Katuka Africanidades / Renato Carneiro
Definitivamente as criações da Katuka Africanidades fecharam com chave de ouro o bloco Ancestral do AFD cumprindo um papel de enorme representatividade, resistência e força, tanto pelas peças em si, quanto por elas terem sido apresentadas ao público através de dois modelos imigrantes africanos (advindos da Guiné-Bissau) de pele retinta. É denominada como retinta as peles mais escuras no espectro de tons de pele negra e que infelizmente mais sofrem preconceito tanto perante toda a sociedade quanto, muitas vezes, entre as próprias pessoas de pele negra. A essa forma de preconceito foi designado o termo “colorismo” e está ligada ao processo de embranquecimento no país, onde tons de pele negra acabam por sofrer preconceito racial de formas menos ou mais intensas. Renato Carneiro, estilista da Katuka, participa do AFD desde a primeira edição e explica que a marca foi pensada não para ser um lugar estritamente comercial, mas para criar reconexões do povo preto com suas heranças ligadas ao continente africano, unindo moda, literatura e arte: para além dos artigos de vestuário, a loja também dispõe de livros de escritores baianos e negros, acessórios de origem indígena e ribeirinha, e esculturas importadas do continente africano.
Renato afirma que tem uma profunda admiração pelos processos de produção têxtil de diferentes regiões da África e tenta sempre criar algo que se assemelhe de alguma forma com essa produção, muitas vezes fazendo aproveitamento de tecidos criando uma “nova peça têxtil”. Nos looks, algumas peças se assemelham a peças de alfaiataria com modelagem, caimento e acabamentos bem definidos e detalhados, enquanto outras peças são feitas de tiras de linho branco que foram cortadas para serem novamente costuradas, o que gera uma conexão com a própria história do povo preto que foi interrompida e esfacelada pela escravidão e que agora busca se reconstruir entre si e perante a sociedade. “Tem essa ideia do desconstruir para construir novamente, pra emendar, pra deixar rasura. Tem o acabamento, mas a gente não esconde os fios que sobram porque em algum momento a gente quer que eles sejam aparentes… são as marcas do que ficou no meio do caminho”, afirma Renato, que me faz ficar emocionada e arrepiada. Renato também buscou homenagear, de uma forma não literal, as vestimentas usadas no tradicional culto de Baba Egun (tradicional na Bahia) que são sempre confeccionadas em tiras, franjas, com sobreposição de tecidos e repletas de espelhos (daí os grandes paetês presentes em ambos os looks).
O AFRO FASHION DAY é realizado pelo jornal Correio e nesse ano de 2024 teve patrocínio da Avon e da Bracell, além do apoio da Rede Bahia, Caixa, Shopping Barra, Salvador Bahia Airport, Wilson Sons, Sebrae e Prefeitura Municipal de Salvador. Para ver mais detalhes dos looks, assista ao desfile completo disponível no Youtube!
crédito fotos dos looks: Lucas Assis @assislucas
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