
Olá, leitores “Got Sin?”! Agora trago para vocês o último dos conteúdos exclusivos de moda sobre o Afro Fashion Day 2024; o Bloco 3 – Percussão Contemporânea. Aqui quem fala é Julia Nazaly, a orgulhosa correspondente de Salvador, Bahia; e gostaria de agradecer por ter você como espectador dos conteúdos que eu trouxe sobre esse evento tão significativo para a moda brasileira, em especial para o cenário da Bahia. Se você perdeu os outros conteúdos, clica aqui para entender um pouquinho mais o que é o AFD e sua importância para o cenário da moda, aqui para conferir o conteúdo sobre o Bloco 1 – Percussão Ancestral e aqui para acessar o conteúdo sobre o Bloco 2 – Percussão Festiva. Vou ficar aqui esperando você voltar, tá?
Agora falarei mais sobre o terceiro e último bloco do desfile desse ano, que teve como tema a MÚSICA e que foi nomeado de “PERCUSSÃO CONTEMPORÂNEA”. O bloco buscou prestar uma homenagem à figura do músico baiano Carlinhos Brown, vanguardista em tudo que se propõe fazer. Responsável por criar a banda Timbalada, uma orquestra de timbaus, muito provavelmente ele nem imaginava o quanto essa sonoridade iria inspirar tantos outros artistas e grupos que viriam a surgir depois. Além disso, o músico também é muito conhecido por se utilizar da moda como ferramenta política para passar mensagens que vão além do seu som, utilizando peças inusitadas com frequência. A ordem do meu conteúdo segue a mesma ordem da passarela. Espero que gostem e obrigada por acompanharem!
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Abanto / Alex Milanny
A Abanto é uma das marcas do Alex Milanny (criador da Orí Lewa, a primeira marca que apresentei lá no conteúdo do bloco Percussão Ancestral), que participa do Afro Fashion Day há 8 anos. A Abanto é uma marca de moda masculina e agênero que visa realçar a beleza e autoestima da população negra através do orgulho étnico e possui forte influência no estilo boho com muita leveza, fluidez e elementos naturais, mas unindo o tradicional e o contemporâneo; e o cultural e o urbano.
Os dois looks apresentados na edição deste ano do AFD vieram de uma micro coleção batizada de “Ritmos da Bahia” e se inspirou na energia pulsante dos tambores e das tradições afro-brasileiras. Os tecidos leves, as modelagens fluidas e os detalhes gráficos buscam explorar e transmitir a conexão entre corpo e som remetendo ao balanço dos batuques e homenageando os instrumentos percussivos. Alex Milanny, estilista da marca, buscou transformar a riqueza sonora em arte vestível, gerando um convite a vivenciar esse pulsar da música na Bahia.


Olorum / Lu Samarato
A marca carrega consigo uma identidade muito forte de moda urbana beeeem streetwear, com modelagens amplas, camadas sobrepostas, maxibolsos tipo cargo, muitas fivelas, mosquetões, faixas de nylon dentre outros. Seu estilista, Lu Samarato, participa do AFD há 8 anos e nos primeiros anos assinava suas criações apenas com o próprio nome já que as mesmas seguiam uma outra proposta. Depois desses anos de experiência, Lu entendeu que seu público era majoritariamente masculino e cria a Olorum em 2020, buscando desenvolver algo que ele sentia estar em falta no mercado baiano: uma moda com uma pegada urbana bem forte e expressiva nas características streetwear, focada nessa estética e que dialogasse com o afro de uma forma diferenciada (utilizando estampas étnicas dessa forma mais urbana e contemporânea, por exemplo). Com esse momento “divisor de águas”, Lu Samarato já participa do AFD 2021 com a sua nova marca Olorum. Ainda que visivelmente apaixonado pelo que fez e pela trajetória percorrida, Lu Samarato desabafa: “É difícil fazer moda e principalmente moda afro em Salvador, quando você quer ser o estilista que detém o poder sobre algo tão segmentado. O mercado infelizmente ainda limita as possibilidades, tanto que a gente só tem 1 grande evento de moda preta que é o AFD, então ficamos esperando o novembro pra ter esse momento de celebração e exaltação daquilo que a gente faz. Mas como eu disse, são 8 anos de participação no evento e eu cresci junto com ele… foi estando dentro do evento que eu consegui vislumbrar a possibilidade de criar uma outra marca dentro daquilo que eu já fazia e estar junto com outros criadores enriquece o meu próprio processo criativo e me impulsiona a querer fazer mais. Existem todas as dificuldades, só que a nossa vontade e o amor pelo que a gente faz são maiores do qualquer outra coisa. Tem que amar muito o que faz pra poder passar por isso”.
Ao primeiro olhar, a estampa presente no look faz parecer que se trata de uma homenagem à banda baiana Timbalada, conhecida por adotar uma estética mais do preto e branco. Porém, observando de forma mais minuciosa e ouvindo o próprio criador, percebe-se que a homenageada da vez foi a banda BaianaSystem (que inclusive é, na minha opinião, umas das melhores coisas da cultura baiana há pelo menos 10 anos), que é uma banda muito à frente do seu tempo e revolucionária. Ainda que mescle elementos que vêm de antepassados, eles trazem como novidade com uma nova roupagem, de uma forma moderna: “É o ancestral que serve como uma inspiração para o futuro… um presente vivo”, declara o estilista. Essa escolha da BaianaSystem faz um paralelo perfeito com os processos criativos da Olorum, tornando essa homenagem ainda mais coerente e significativa. Em seu processo criativo para essa edição, Lu se inspirou nas máscaras utilizadas pela banda, na estética preta e branca adotada por ela e na “amplificação do som” que a banda promove ilustrada pelas peças amplas, porém, o “pulo do gato” do look veio a partir da vontade de homenagear outros artistas baianos, dessa vez uma cantora também considerada à frente do seu tempo na época em que se lançou: Gal Costa e a música Vaca Profana (composta por Caetano Veloso), daí a estampa de “vaquinha” presente nos looks, uma homenagem nem um pouco óbvia. “Eu, enquanto artista, entendo que enquanto detenho a obra em minhas mãos eu também sou detentor de toda a ideia e performance dela, só que quando eu apresento ela para o mundo o interessante é que cada um tenha a leitura sobre aquilo que está vendo. Eu crio pensando em algo, só que quando eu levo ela (a roupa) pro mundo, cada um vai olhar aquilo e vai dar a leitura que entende sobre aquilo. Acho que isso é que é interessante”, finaliza o criador.


Nós Macramê / Cássio Caiazzo e Erick Simões
A Nós Macramê foi fundada em 2021 e já nesse primeiro ano de marca foi convidada para participar do Afro Fashion Day, estando presente desde então. Os pontos mais básicos para o macramê são o Nó Quadrado (Nó Duplo/Nó Macramê) e o Nó Festonê, e com esses dois nós básicos a Nós Macramê desenvolve suas peças baseadas em design aplicado na técnica. Na aplicação desses pontos, por hora os criadores optam por usar pontos mais fechados gerando uma trama mais “rígida” e em outros momentos optam por pontos mais abertos criando peças com mais fluidez e maleabilidade, ainda que produzidas com material de milimetragem maior. “Desenvolver modelagem no macramê é algo que a gente vem fazendo de uma forma muito genuína, mas estamos aprendendo através das experimentações. Hoje a gente domina mais, mas não aprendemos a fazer modelagem porque geralmente quem faz macramê, faz um macramê plano, reto, de cima para baixo… ás vezes tentam adequar à moda, mas acaba não tendo modelagem e a gente desenvolve as peças na técnica de moulage através de manequins industriais para que possamos desenvolver essas peças perfeitas para cada corpo”, esclarece Cássio. Com isso, a dupla comenta que seu processo criativo é muito baseado na própria observação e aprimoramento dos próprios trabalhos já realizados, o que é, inclusive, muito percebido na última coleção da marca: a Wazaká. “Se você observar nossa última coleção e o nosso próprio feed do Instagram, pode perceber que somos um grande melhoramento de tudo que já apresentamos ao longo desses 4 anos. Isso se deve também muito ao fato de que não aprendemos macramê com ninguém. Eu (Erick) aprendi na infância com minha avó apenas 1 ponto… e bem mais recente o Cássio começou também a aprender e testar o macramê e desde então a gente vem fazendo as coisas muito no experimental e na raça”, esclarece Erick.
Cássio Caiazzo e Erick Simões, responsáveis pela marca, dizem seguir sempre à risca as determinações da equipe da produção do evento no momento que o tema do ano é revelado. As cores propostas para o bloco Percussão Contemporânea (este do qual eles participaram) foram preto, branco, rosa, laranja e azul. Tendo ciência do quanto a combinação de preto e branco é utilizada na moda, eles optaram por usar essas duas cores como base no look feminino (composto por uma trama mais “fechada e durinha”) e complementar com as outras cores propostas para o bloco depois de estudos de posicionamento de cor e como elas ficariam distribuídas; já para o look masculino, optaram por mesclar todas as cores criando um grafismo interessante numa trama mais aberta, mais folgada. Os criadores revelaram que o material usado para o desenvolvimento dos dois looks é um lançamento da marca ArtePunto, empresa de importação têxtil que passou a trazer para o Brasil o cordão de cetim de 4mm a partir da demanda reconhecida pela própria Nós Macramê, que foi uma das primeiras marcas a receber esse material para compor suas criações. Cássio e Erick explicaram que ao reconhecerem essa demanda e estimular a importação, a ArtePunto (que já era uma forte parceira deles) enviou vários testes desse cordão de variadas milimetragens e cores antes mesmo de fechar o contrato com a empresa estrangeira responsável pela produção deste material; dessa forma, acabaram por testar várias possibilidades com esse material antes de desenvolver as peças que seriam destinadas ao AFD deste ano.


Kriaçã1 / Amanda Leite
Amanda Leite foi uma das criadoras que teve a oportunidade de apresentar seu trabalho em dois blocos neste Afro Fashion Day, ambos com a marca Kriaçã1. A artista apresentou 1 look no Bloco 2 – Percussão Festiva; e mais 2 looks neste Bloco 3 – Percussão Contemporânea. “Essas três roupas se encontram em um momento, na questão do batuque, do tambor, do atabaque. São fontes diferentes mas que se encontram neste mesmo ponto, nessa referência… elas se amarram”, complementa a artista. Amanda sempre sonhou em trabalhar com moda desde a infância, mas conforme os anos passaram, viu-se na necessidade de deixar esse sonho em segundo plano e focar em algo que tivesse mais aceitação da sua família e da própria sociedade, e que proporcionasse mais possibilidades de renda e ascensão social. Formada em Comunicação e Relações Públicas, foi dentro da faculdade que Amanda viu que a moda pode ser justamente essa forma de comunicar através da arte que ela deseja levar para a vida e neste momento ela sente o dom chamando-a novamente para aquilo que sempre sonhou fazer. Emocionada, Amanda menciona o fato de ter buscado referências dentro de sua comunidade e não encontrou; enquanto agora, vê que se tornou, para outras meninas, essa referência que sempre buscou ter.
O primeiro look desenvolvido para o bloco foi inspirado em Ayan/Ayangalu, orixá do ritmo e que segundo a cultura do candomblé, vive dentro dos tambores, daí a importância deste instrumento para as religiões de matriz africana que o utilizam para evocar suas entidades e com isso se conectar com suas origens em seus rituais e cultos. Para compreender esse ponto de partida, a estilista quis ir mais a fundo para entender como essa afro referência funciona, não apenas em Salvador, mas na África em si. Enquanto estava nesse processo de pesquisa para o look, Amanda teve contato com o músico baiano Carlinhos Brown (que era a referência para o outro look da artista neste bloco Percussão Contemporânea) e o próprio músico citou a figura de Ayangalu, o que fez com que Amanda sentisse que era exatamente esse o caminho para a construção desse “tripé” que se tornou sua participação neste AFD. Nessas pesquisas para a criação da peça, Amanda foi no Terreiro do Gantois (terreiro de Candomblé em Salvador tombado nacionalmente pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 2002), onde entendeu mais sobre esse orixá. Como mencionado anteriormente, Amanda utiliza muito a sinestesia em seu processo criativo e com isso buscou passar a sensação das batidas/vibrações da música na roupa através da estampa do vestido. O cesto preto presente nele faz referência à capa de um documentário que explica mais sobre o Ayangalu e que a artista usou em seu processo criativo. A mão presente na ponta de uma echarpe posicionada no pescoço representa o toque necessário para que se chegue a essa finalidade desse tambor… “sem o toque da mão, não existe o som; e a posição desta echarpe no pescoço representa a oportunidade de voz que esse toque proporciona… a oportunidade de você se comunicar”, completa a artista.
O segundo look desenvolvido para o bloco foi batizado de “Ecoar” e prestou uma homenagem à carreira do músico Carlinhos Brown e também fez referência ao lamentável “episódio das garrafas” sofrido pelo artista no Rock In Rio de 2001 que o entristeceu (por motivos óbvios), mas não o paralisou. Amanda revela que cresceu acompanhando o Carlinhos e acredita que ele é uma referência de Afrofuturismo (movimento estético e social que imagina um futuro onde os negros estão presentes e têm protagonismo, questionando o passado e a cultural atual), desde bem antes desse assunto ser discutido e mais popularizado. Amanda também vê no Carlinhos Brown uma referência de artista que está ali fazendo a sua arte com muita autenticidade mesmo com todas as críticas e que vê a comunicação como algo muito maior do que a opinião dos outros. A artista buscou ressignificar o episódio das garrafas do Rock In Rio 2001, estratégia também inspirada pelo próprio Carlinhos Brown que é conhecido por ressignificar episódios, materiais e contextos sociais em suas obras, como por exemplo com a criação de instrumentos musicais com garrafas PET e o próprio acontecimento do Rock In Rio, onde mesmo com as garrafadas Carlinhos optou por dar continuidade ao seu show. Para a confecção desse manto, Amanda usou uma estrutura de acrílico (material esse que seria descartado por uma gráfica) coberta por garrafas PET (advindas da organização de reciclagem Camapet, localizada na Cidade Baixa em Salvador). Amanda finalizou a nossa entrevista agradecendo ao Carlinhos Brown por ter abraçado o processo criativo dela mesmo envolvendo um episódio delicado da carreira dele e também a toda a equipe do Candyall Guetho Square (espaço multicultural de arte, música e história criado em 1996 pelo próprio Carlinhos Brown).
O AFRO FASHION DAY é realizado pelo jornal Correio e nesse ano de 2024 teve patrocínio da Avon e da Bracell, além do apoio da Rede Bahia, Caixa, Shopping Barra, Salvador Bahia Airport, Wilson Sons, Sebrae e Prefeitura Municipal de Salvador. Para ver mais detalhes dos looks, assista ao desfile completo disponível no Youtube!
crédito fotos dos looks: Lucas Assis @assislucas
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